NERI PEREIRA DA SILVA |
Acontecia cada uma...
Alguns filmes na tv faziam a nossa cabeça de adolescentes em 1969...Tarzan, Terra de Gigantes, Nacional Kid, o seriado Cimarrom pela Bandeirantes, e é claro que vez ou outra os padres nos deixavam ir ao cinema em Tietê...Fomos assistir “ A volta dos sete homens “ um bang bang de peso sem falar nos filmes de Giuliano Gemma. As trilhas no meio do bambuzal eram para nós os atalhos que valentemente percorríamos para pegar os bandidos encurralados lá embaixo no campinho perto do lago...eu e o José Silvio Sartori fabricávamos lanças com os bambús e saíamos atrás de inimigos...nos interessamos sobre os escoteiros e queríamos montar um grupo dentro do seminário...aventurar-se era a ordem do dia até que os padres nos permitiram realizar um acampamento. As barracas de lona de caminhão levaríamos junto na camionete até o local do acampamento. Sairíamos todos num sábado a tarde, armaríamos a barraca , dormiríamos e regressaríamos no domingo...e foi a classe toda...Descemos na altura onde havia pasto de animais próximo a um rio, acho que não era o Rio Tietê...Era uma grande corredeira onde o rio ficava bem largo e ali existiam algumas ilhas. Teríamos que atravessar o rio com as águas na altura dos joelhos, adentrar na ilha e ali armar as barracas...elas pesavam muito, carregávamos em duas pessoas. E foi nessa travessia que os perigos foram surgindo. Alguém pisou sobre um metal e gritou: “ Pessoal acho que pisei sobre um revólver !”, e abaixou-se descendo a mão até o fundo do rio trouxe o revólver...apontou na direção de um dos companheiros mas, um dos maiores ,Ciro Leme de Jesus ou o Alfredo Gonçalves talvez, com rapidez tomou-lhe o revólver e apontando pro alto apertou o gatilho e saiu um estrondo...o menino ficou branco de susto abaixou a cabeça ouvindo uma pequena bronca. Todos ainda assustados continuamos a travessia até subir numa das ilhas e escolhido o local para armar a barraca todos se puseram a trabalhar..a tarde prometia..colocamos em prática o que tínhamos visto sobre os escoteiros....mas o céu foi ajuntando nuvens escuras fechando-se bem sobre as ilhas... Apressamos a montagem pois também já se fazia tarde, teríamos que deixar tudo pronto antes de escurecer... Veio a escuridão e de carona os pingos prometendo uma tempestade daquelas. E foi chovendo cada vez mais, todos se encolhiam dentro das barracas...o tempo havia esfriado e as águas do rio foram subindo, subindo e subindo.. .ouvíamos o barulho delas batendo contra os troncos das árvores até que começaram a invadir as barracas. Em poucos minutos todos já estavam fora das barracas sob a chuva que não parava nunca, pelo contrário se despejava aos montes e todos fomos obrigados a trepar nas árvores próximas e nos acomodar nas primeiras forquilhas mantendo o cobertor na cabeça. O grupo todo trepado parecendo mais um grupo de bugios dependurados e esparramados pela mata enquanto as águas lambiam os troncos arrastando galhos, folhas e tudo que encontrava em seu percurso...Fiquei sentado numa grande forquilha de um pé de angico, joguei o cobertor nas costas, abracei o tronco pra não cair e ali todos passamos a noite até amanhecer e o sol vir nos ajudar a ver os estragos...cada um foi se desarborizando e esticando as pernas doloridas pela posição em que passara a noite...As barracas estavam judiadas e enroscadas nos galhos rentes ao chão...mais trabalhos para lavar e dobrar prá viagem de volta....Hoje me pergunto: “ que doideira foi aquela? Garotos de doze a quinze anos correndo riscos...haja anjos da guarda prá tomar conta de todos nós...mas fica uma interrogação ainda: era o Rio Tietê ou o Rio Sorocaba, se alguém se lembrar dessa aventura vai nos elucidar a memória.
Os trabalhos de cada um
- Já saiu a lista dos trabalhos? – perguntava um companheiro na hora do banho sob chuveiro de água fria. Nessa época não havia chuveiro de água quente para os seminaristas. - Não, hoje é dia 30 e este mês tem 31 dias..sairá amanhã logo de manhã. Cada seminarista tinha um trabalho no cuidado da casa durante o mês....a limpeza dos corredores ficava ao encargo de três seminaristas por andar...O corredor era enorme e largo...durante a semana apenas varríamos mas aos sábados passávamos ceras com pó de serra...sistema prático....enchia uma lata de dezoito litros com pó de serra e cera vermelha...despejávamos bem no início do corredor e em três seminaristas íamos varrendo a cera ao longo do corredor...ficava tudo limpo e encerado ao mesmo tempo. Haviam mais ou menos esses cargos: sineiro( normalmente era o monitor quem batia o sino chamando pros compromissos) , biblioteca, quartos ( duas pessoas por mês), salas de aula, capela, jardins, banheiros, enfermaria, quartinhos dos armários, sala de visitas, isso tudo na hora da limpeza. A tarde havia os trabalhos fora do prédio e nesses também os responsáveis por cada espaço: horta, campo de futebol, quadras de futebol de salão, basquete, quadras de boccia, trilhas do bambuzal, caramanchão de flores, jardins...chuveiros e vestiários . Eu, caipira do mato, nunca tinha visto uma quadra de boccia. Havia uma próxima ao campo de futebol ...num intervalo de aulas estava eu passeando por ali quando um seminarista pegou uma bola e gritou: “ Chuta Neri ! “ e atirou a bola que veio rolando em minha direção. Não pensei duas vezes, me coloquei em posição de chute e chutei com toda força...Duas semanas com o pé inchado sem poder calçar sapatos. Aprendi que aquela bola era de madeira e não era para chutar. A cada semana era designada uma classe para fazer o trabalho de servir no refeitório , lavar as louças após a refeição, varrer e deixar a mesa pronta com os talheres e pratos para a próxima refeição. Chamavam-se “ Equipe do Refeitório “, “ Equipe da Cozinha “...Todos obedeciam fielmente a lista de trabalhos, com rara exceção um ou outro pedia prá mudar de cargo devido a fatores justos: alergia por exemplo. Lembro-me de um seminarista que desmaiava quando via e sentia cheiro de cera vermelha...esse nunca mais foi designado para a função de limpeza dos corredores. Entre nós haviam aqueles cargos que o padre pedia voluntários: cabeleireiro, sacristia , enfermeiros . Quem desejasse aprender a tocar algum instrumento musical teria que deixar o nome na lista com o monitor: violão, flauta, guitarra, contrabaixo , sanfona , saxofone, piano...e música...o Padre Libardi fazia testes com todos para a convocação pro coral: eu era tenor segundo...e o Padre Roberto Escudeiro ( diretor de nossa classe ) era o encarregado pelos espetáculos de teatro e pela fabricação das guitarras e contrabaixos. Houve uma época em que começou uma criação de coelhos da índia pelos gramados do jardim, mas os coelhos se proliferaram tanto que um seminarista ficou encarregado de castrá-los: José Inácio de Medeiros, que certo dia foi me ensinar como se fazia a castração. Peguei um coelhinho e trouxe para ele. Então me orientou : “ Segure bem as patinhas e observe como faço pra castrar!”..agarrei as patinhas e ele com o bisturi fez a incisão mas o coelhinho gritou e se sacudiu todo escapulindo de minha mão. Saiu sangrando pelo gramado até o reencontrarmos e terminar a operação. Então, vida de seminário não era mole não...acordar sempre no horário, tempo certo prá arrumar as camas e ir prá capela . Café da manhã e educação física sobre o gramado do campo mesmo em tempo de geada. Exercícios pesados, polichinelo, corrida, apoio ao sólo e outros sob a surpervisão de um sargento ou cabo...marcha unida...valeu a pena. Neri.
Os trabalhos de cada um
- Já saiu a lista dos trabalhos? – perguntava um companheiro na hora do banho sob chuveiro de água fria. Nessa época não havia chuveiro de água quente para os seminaristas. - Não, hoje é dia 30 e este mês tem 31 dias..sairá amanhã logo de manhã. Cada seminarista tinha um trabalho no cuidado da casa durante o mês....a limpeza dos corredores ficava ao encargo de três seminaristas por andar...O corredor era enorme e largo...durante a semana apenas varríamos mas aos sábados passávamos ceras com pó de serra...sistema prático....enchia uma lata de dezoito litros com pó de serra e cera vermelha...despejávamos bem no início do corredor e em três seminaristas íamos varrendo a cera ao longo do corredor...ficava tudo limpo e encerado ao mesmo tempo. Haviam mais ou menos esses cargos: sineiro( normalmente era o monitor quem batia o sino chamando pros compromissos) , biblioteca, quartos ( duas pessoas por mês), salas de aula, capela, jardins, banheiros, enfermaria, quartinhos dos armários, sala de visitas, isso tudo na hora da limpeza. A tarde havia os trabalhos fora do prédio e nesses também os responsáveis por cada espaço: horta, campo de futebol, quadras de futebol de salão, basquete, quadras de boccia, trilhas do bambuzal, caramanchão de flores, jardins...chuveiros e vestiários . Eu, caipira do mato, nunca tinha visto uma quadra de boccia. Havia uma próxima ao campo de futebol ...num intervalo de aulas estava eu passeando por ali quando um seminarista pegou uma bola e gritou: “ Chuta Neri ! “ e atirou a bola que veio rolando em minha direção. Não pensei duas vezes, me coloquei em posição de chute e chutei com toda força...Duas semanas com o pé inchado sem poder calçar sapatos. Aprendi que aquela bola era de madeira e não era para chutar. A cada semana era designada uma classe para fazer o trabalho de servir no refeitório , lavar as louças após a refeição, varrer e deixar a mesa pronta com os talheres e pratos para a próxima refeição. Chamavam-se “ Equipe do Refeitório “, “ Equipe da Cozinha “...Todos obedeciam fielmente a lista de trabalhos, com rara exceção um ou outro pedia prá mudar de cargo devido a fatores justos: alergia por exemplo. Lembro-me de um seminarista que desmaiava quando via e sentia cheiro de cera vermelha...esse nunca mais foi designado para a função de limpeza dos corredores. Entre nós haviam aqueles cargos que o padre pedia voluntários: cabeleireiro, sacristia , enfermeiros . Quem desejasse aprender a tocar algum instrumento musical teria que deixar o nome na lista com o monitor: violão, flauta, guitarra, contrabaixo , sanfona , saxofone, piano...e música...o Padre Libardi fazia testes com todos para a convocação pro coral: eu era tenor segundo...e o Padre Roberto Escudeiro ( diretor de nossa classe ) era o encarregado pelos espetáculos de teatro e pela fabricação das guitarras e contrabaixos. Houve uma época em que começou uma criação de coelhos da índia pelos gramados do jardim, mas os coelhos se proliferaram tanto que um seminarista ficou encarregado de castrá-los: José Inácio de Medeiros, que certo dia foi me ensinar como se fazia a castração. Peguei um coelhinho e trouxe para ele. Então me orientou : “ Segure bem as patinhas e observe como faço pra castrar!”..agarrei as patinhas e ele com o bisturi fez a incisão mas o coelhinho gritou e se sacudiu todo escapulindo de minha mão. Saiu sangrando pelo gramado até o reencontrarmos e terminar a operação. Então, vida de seminário não era mole não...acordar sempre no horário, tempo certo prá arrumar as camas e ir prá capela . Café da manhã e educação física sobre o gramado do campo mesmo em tempo de geada. Exercícios pesados, polichinelo, corrida, apoio ao sólo e outros sob a surpervisão de um sargento ou cabo...marcha unida...valeu a pena. Neri.
26 comentários
Comentários
Ubaldo Bergamim Filho Neri Pereira da Silva, o episódio das barracas aconteceu em Cerquilho, num bairro que se chama Aliança, no rio Sorocaba. Eu me lembro que armamos redes nos galhos das arvores, e acho que foi o Albino, lidava com sua lanterna, e ao apertar as pilhas, a mola soltou, as pilhas pularam fora da lanterna, ele assustou, caiu da rede, dentro do rio!!!
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