o inquebrável humor do povo brasileiro
No interior do Brasil, onde a fé anda de chapéu de palha e o milagre veste sandália, há tradições que beiram o inacreditável.
Mas nada — absolutamente nada — prepara o cronista para o dia em que alguém decidiu “sequestrar” o Menino Jesus.
Há no interior desse Brasilzão — mundo velho, porteira aberta, chão de poeira e coração escancarado — uma infinidade de tradições, simpatias e manias que só a sabedoria popular é capaz de explicar.
Ou melhor: nem explicar explica, apenas aceita.
É o tipo de coisa que se transmite por gerações, de avó pra neta, de comadre pra vizinha, misturando fé, poesia e um certo jeitinho de conversar com o divino.
Tem de tudo.
Tem gente que, pra casar, põe Santo Antônio de cabeça pra baixo, planta o coitado num vaso de arroz, de feijão, até o santo se render.
Outros, quando a criança está com sapinho, pegam a chave do sacrário e encostam na boquinha, num ritual antigo, cheio derezas baixas e olhares esperançosos.
É o Brasil profundo, onde o milagre anda de chinelo e a fé dorme na rede.
Mas confesso: já vi muita coisa nessa estrada da vida e nunca, nunca mesmo, tinha ouvido falar em sequestrar o Menino Jesus.
Sequestrar!
Veja o ponto a que chegou a criatividade do povo de Deus.
Lembrei de um episódio em Mogi das Cruzes, quando, por um capricho do destino — e umas taças de vinho a mais — alguém resolveu “emprestar” a bandeira do Divino Espírito Santo, em pleno império da festa!
Aquilo foi um rebuliço só.
Corre-corre, promessas, rezas, e a bandeira apareceu três dias depois, enrolada num lençol de linho, como se fosse relíquia sagrada.
Mas, tudo bem, bandeira é bandeira.
Agora… sumir com o Menino Jesus de Praga, essa foi inédita.
Dois mil anos de cristandade — vá lá, dois mil e poucos pra arredondar — e eu nunca ouvi história igual.
Já esconderam imagem de santo, já trocaram manto de Nossa Senhora, já levaram cálice de missa.
Mas tirar o Menino Jesus do altar e sumir com Ele?
Aí já é demais até pra imaginação de beata.
Fiquei pensando: será que foi por devoção? Por promessa?
Ou será que o sequestrador(a) andava precisando de um milagre mais urgente, desses que não podem esperar a fila das intenções?
Porque, convenhamos, o Menino Jesus de Praga é milagreiro.
Resolve causa impossível, cura desenganado, abre caminho onde não há trilha.
Talvez tenha sido isso: uma alma aflita, com pressa de céu, resolveu trazê-lo pra mais perto.
E é assim, nesse Brasil de fé inventiva e esperança teimosa, que as histórias nascem e viram tradição.
Hoje é o sequestro do Menino Jesus; amanhã pode ser o desaparecimento do sino da matriz ou o sumiço do terço da madrinha.
O importante é que, no fim, tudo volta ao lugar.
Porque a fé — essa sim — ninguém sequestra!
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PEDRO LUIZ DIAS |
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