BENEDITO FRANCO |
067 - A Guerra - II / I
*Em Congonhas, MG, os estudantes passávamos as férias numa Casa de Campo, aos pés da Serra de Ouro Branco, um paredão colossal de pedra - emoldura um dos lados da cidade de Ouro Branco.
Dois padres acompanhavam-nos: o Padre Diretor ou o Padre Sócio, tipo vice-diretor, responsável direto pelos internos, e um professor - companhia para o padre e para nós, alunos. O professor que mais gostávamos que nos acompanhasse, um holandês simpaticíssimo, magro e alto, muito branco, com um bom português. Regente dos coros, o diretor do teatro - além de dirigir as peças, mostrava-se um grande artista, pintava os cenários - ajudava-o. Meu professor de desenho e pintura. Chamava-me de O Egípcio, por eu gostar de desenhar e pintar telas grandes. Era o Padre Anselmo.
Praticávamos esportes os mais diversos. Futebol, vôlei e basquete, os que mais apreciava. Nas piscinas nadávamos quase o dia inteiro, mas nunca fui grande amante de natação e muito menos exímio nadador - muito frio por lá.
Passeávamos pelos matos da redondeza à procura de gabiroba e cabacinha, assim como de outras frutas do mato - nas férias de fim de ano essas frutas eram normais e fartas. Arrancávamos o pacheco (ou jucatupé, ou ainda jacatupé, ou até mandioca doce, como o chamam alguns); raiz de um pequeno arbusto bem diferente do pé de mandioca, mas de raiz bem parecida - muito apreciada por nós. Pegavam-se os animais encontrados - cobras, rãs ( jias), aranhas, jaratataca, tatus etc.. Os venenosos enviados para o Butantã em São Paulo. Alguns - rãs, tiús, gambás e tatus - consumidos e outros embalsamados para o pequeno museu. Nem todo aluno poderia pegar um animal encontrado - só alguns autorizados, eu entre eles.
Ao entardecer, acionava-se um pequeno motor a gasolina, funcionando com seu barulho característico, até o Padre dar o último sinal com a campainha, para dormirmos; ainda hoje me vem à memória aquele bater dos pistões do pequeno motor.
Após o jantar, luz fraca, e só na casa. A varanda e o refeitório serviam de sala de recreio, onde jogávamos baralho e contávamos nossas histórias e estórias diárias e as saudosas de nossas casas e famílias - contávamos nossas potocas (conversas fiadas). Os que comeram farinha, ou iriam comer, era um assunto comentado à surdina (comer farinha é o mesmo que sair ou ser mandado embora do seminário). Praticávamos alguns jogos, como o quebra-cabeça, a dama e o xadrez - havia até mesmo um bilhar – com bolas de marfim.
Rodeávamos o professor, misto de contador de histórias e companheiro naquela solidão. No lusco-fusco das lâmpadas e na escuridão total lá fora, quebrada apenas pelas luzes dos vaga-lumes e sonorizada pelos cricris de grilos vários e os incontáveis e variados coaxares de sapos e rãs – com sua orquestra harmônica quebravam a monotonia.
Contato com a civilização uma ou duas vezes por semana, quando por lá aparecia um carro. O caminhão do seminário ia uma vez por semana, para levar os gêneros alimentícios, roupas limpas, ou algo necessário, e apanhar as roupas sujas.
Padre Anselmo descrevia-nos os anos passados no seminário na Holanda, situado à beira de uma importante rodovia, justo no período da Segunda Guerra Mundial. Meninos e jovens arrepiávamos os cabelos e arregalávamos os olhos diante da real e dramática descrição de dias e anos daquela guerra terrível - ouvíamos ávidos, sentindo calafrios.
Os que declaram, administram e comandam as guerras ficam em confortáveis gabinetes em seus países - no final, os heróis. Na verdade, os heróis ao longe: o povo morrendo nos combates ou em suas consequências. A história, uma fábula, ou, um relato tendencioso, sobre a qual poucos discordam.
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