Neri Pereira da Silva |
Éramos em alguns que vivíamos sempre brincando, estudando e
também aprontando juntos...José Silvio Sartori, Ubaldo Bergamim, Edson
Gasparoto, José Inácio Medeiros e outros...havia no terreno abaixo do seminário um grande bambuzal e no meio
deste muitas trilhas muito bem cuidadas que sempre estávamos varrendo ou
capinando prá manter sempre utilizável...essas trilhas davam num campinho de
futebol e descendo ainda mais terminavam
no lago....Este lago estava vazio . Uma chuva
estourou a barragem. Os padres no entanto decidiram restaurar a barragem
e, meses depois as águas voltaram a encher o bendito lago.
Após o almoço, tínhamos
sempre uma hora de descanso e as 13,15 hs o sino era badalado
chamando-nos para a aula de religião. Aproveitávamos esse horário para passear
pelas trilhas e consequentemente acabávamos
todos beirando o lago e foi num
desses passeios que percebemos um
pequeno barco de madeira boiando próximo
a margem. Digo pequeno, mas era minúsculo, cabendo nele apenas uma
pessoa...estava ali paradinho balançando e tentador. Todos nos aproximamos e
percebemos que havia água dentro, devia estar furado com certeza e após algumas
averiguações confirmamos o fato. Era porém um buraquinho tão pequeno que ao ser
esvaziado demoraria a encher novamente...
-” Quem tem a coragem de atravessar o
lago remando com as mãos nesse barquinho? “ – alguém lançou o desafio.
Alguns
se apresentaram de imediato e coube a mim ser o primeiro de todos. Esvaziamos o
barco e entrei ficando de joelhos dentro dele para poder remar com as mãos e
iniciar a travessia. Empurraram-no e
iniciei a pequena aventura sob os alardes de
-“ vai Neri, você consegue!
“....
Sabia que se naufragasse eu poderia me safar facilmente pois sempre fui um
exímio nadador...assim o barquinho impulsionado pelas remadas das mãos foi se afastando da margem em
direção ao centro do lago.
Esquecemos no
entanto que, agora havia um peso dentro dele
que apressava mais a entrada das águas pelo buraquinho e assim antes que
chegasse ao centro do lago o barquinho já estava encharcado molhando minhas
calças, sapatos enfim..voltar ou continuar?
Continuei e aos poucos fomos
sendo engolidos pelas águas...tive que terminar a travessia a nado...os amigos
aproveitando a situação também pularam na água...mas eu estava de roupa
e encharcado e o sino tocou lá no seminário chamando-nos prá aula de
religião...e foi aí que caiu a ficha
-“ e agora? Chegar ensopado? “
-“ O que
dizer pro padre? “....
Os rapazes que não haviam entrado no lago foram subindo
as trilhas na frente e nós os encharcados logo atrás...mas quando nos
aproximamos do campo de futebol que havia abaixo do seminário percebemos que
havia um padre na sacada do primeiro andar a nos observar de longe...nada menos
do que o Padre Libardi...Os da frente apressaram os passos e nós continuamos
com mais lerdeza sem olhar pro alto mas
o Padre foi logo perguntando:
-“ Você esteve nadando no lago, Neri ?”.
Eu, com a maior a cara de pau e molhado até os ossos respondi que
-“ não padre,
eu não estive não!”
O Padre Libardi era
um padre muito coerente, prá ele não havia meio termo, era sim sim ou não não.
Não gostava de mentiras e sabia ser exigente quando era preciso ser exigente e
essa postura assustava alguns...envolvia de corpo e alma nas brincadeiras entre
os alunos, quantas vezes nos reunimos no gramado do jardim e tentamos em cinco
ou seis derrubá-lo ao chão...era forte e
ágil e quando caía todos faziam festas pela façanha de ter derrubado o ‘
Libardão “.
Na hora da oração da
noite ele conduzia nosso exame de consciência sobre os ocorridos durante o dia
...e ajoelhado diante do Santíssimo
findávamos a oração cada um
refazendo ali seus compromissos de melhorar no outro dia...Nessa noite o Padre,
antes de terminar disse:
-“Quero falar com todos aqueles que hoje após o almoço
foram nadar no lago. Eu os espero em meu quarto!”.
Todos sentiram um frio na
barriga e os olhares se cruzaram
acusadores e cúmplices. Eles não foram interrogados pelo padre e
não mentiram mas eu fui questionado e
havia mentido descaradamente .
Melhor dizer a verdade sobre a mentira do que mentir sobre a
verdade...serão alguns minutos de sermão mas esses minutos passam...melhor
passar isso agora do que continuar amanhã sem ter coragem de olhar nos olhos do
padre...Ao chegar no corredor já havia uma pequena fila aguardando para serem
todos atendidos...fiquei por último...cada um que entrava saía de cabeça
baixa...a barriga doía, as pernas estavam meio bambas até que chegou minha
vez...enfiei a cabeça no vão da porta:
-“ Boa noite padre!”.
O Padre Libardi ao me ver ali, abriu os
braços e me chamou:
-“ Oh filho, entre, o que aconteceu? “ e me apertou contra o
peito num abraço bem aconchegante e inesquecível.
-“ Vocês poderiam ter morrido
no lago, imagina nadar após a refeição! “...Eu não sou bravo não meu filho, só
quero o bem de todos vocês, não precisa ter medo de mim. A gente não se diverte juntos de vez em
quando? Não faz mais isso não, é perigoso!” Promete? “
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