Neri Pereira da Silva |
Então, amigo Adilson , na tentativa de provar que o tiro
saiu do revólver, aqui vai um conto mentiroso para provar o quanto é verdade.
Desarmamos o acampamento lá pelas onze horas. O Ciro mais
eu, ficamos encarregados de passar na sede do Sitio Aliança em Cerquilho e
deixar a arma com os proprietários, se é que a arma era deles, mas enfim...
Quando lá chegamos e fomos atendidos na velha porteira de
jacarandá pelo Sr. Chico, entramos terreiro adentro sendo ovacionados com honra
por todos os cães,
- Sr.Chico, temos uma coisa pro senhor. Não sabemos se é o
proprietário mas nós não podemos levar isso conosco de volta pro seminário.
- Pois não seu moço, mostra logo esse trem a mor de que tô
morreno de curioso. - respondeu o velho já fazendo sinal prá mulher
aproximar-se.
O Ciro, retirou um pacote envolvido com sua camiseta e
estendeu em direção ao sitiante. O velho sentiu o peso e olhou assustado prá
mulher:
- " Eta sô, só me fartava essa por hoje..". - suas
mãos tremiam e percebia-se apreensão nos traços de sua face já tão
transfigurada pelas labutas do sertão - sua mulher também se punha do mesmo
jeito , assustada. Ao verem o revolver, ampararam-se um no outro e se sentaram
sobre uma pedrona no terreiro.
A mulher, olhou pro marido apenas balbuciando : " milagre,
só pode ser milagre!". O marido, apenas apertou a arma contra o peito,
olhou pro céu, respirou fundo e abraçado a mulher confirmou: " Milagre!'.
- Então seu Chico, isso é seu? Encontramos... - ia dizer o
Ciro quando seu Chico o interrompeu:
- No rio, perto das ilhas, fui em quem joguei essa coisa que
tornara-se objeto mardito prá nóis, mas agora to veno , oceis atiraram com ela?
- Dei um tiro, sim senhor, mas pro alto.
O casal se abraçou e seu Chico falou baixinho olhando pro
céu:
- " Milagre, seu moço! Milagre dos grandes!"
- Milagre? - perguntou o Ciro me olhando de lado
- "Dos grandes, seu moço , dos grandes!" -
respondeu a senhora e continuou pegando na mão do marido - " Fala véio,
fala logo pro moço desde o inicio, falas das cobra, dos ovo, dos pintinhos..."
- Vosmecê não qué memo intrá pra mor de nóis proseiá mais de
gosto? - indagou o velho já se erguendo e fazendo menção de entrar.
- Não, meu senhor, nós estamos até com pressa pois o pessoal
nos está esperando lá na rodovia. - respondeu o Ciro lançando uma buscada de
olhos em direção onde o pessoal ja ia ajeitando as lonas das barracas dentro da
caminhonete.
- "Mais, vô contá rapidim intão...nóis sempre criô
galinhas de onde nóis tira os ovo pra vendê lá na fêra. Inté criamu tamém porco
, mas há dias que tamu sentinu farta de uns pintinhos e uma cobra jararaca vem
acabanu com os ovo...raposa num é pra mor de que nóis tinha o Sansão.
- Sansão?
-É , fio de Deus, nosso cão caçadô...mais dias desses,
transantonte de tardinha, avistei a danada da jararaca sainu de perto dos
ninho...rapaiz,...oiei e vi que a Mariazinha tamém vinha verano a cerca na
direção da cobra ...Gritei e ela se aquietô mais intrais dela veio o Sansão só
no faro da dita cuja..os dois ia ser picado com certeza. Corri e peguei o
revorve e dali de perto da pedra menor fiz a pontaria...o Sansão já tava em
frente a jararaca, a mariazinha de meio anssim de revestréis...mirei bem na
cabeça e atirei..
- Meus Deus! - Falou alto o Ciro já imaginando a cena do
crime .
O velho continuou já meio tremendo de emoção tendo a mulher
enxugando uma lágrima com seu avental
- Fio do Pai do Céu , matei sem querer o
Sansão...oh lástima...cachorro bão, de primera, iguar gente, caçadô e
protetô...e anssim nóis arresorvemu jogá fora o revorve.. nóis tem a proteção
do Sinhô.
- Mas ...e o milagre? - quis saber o Ciro - e a Mariazinha?
Ela está bem...foi picada?
- Moço. a cobra se escafedeu pelo capinzá e a Mariazinha tá
bem grazadeus...mais deixa eu continuá. - o velho pigarreou, limpou o suor do rosto
com a manga da camisa e prosseguiu - To terminanu, sei que tá com
pressa...ontem, nóis tava aqui debuiando uns mio e a Mariazinha reinanu pelo
quintá...eu tava de oio nela e no lugar pronde a cobra tinha escapulido...e não
é que a danada apareceu lá dotro lado onde tava a Mariazinha! Aí nóis
desesperamu e gritamu pro Sinhô e pra Santa Catarina.Só falei anssim: "
Mariazinha fique quietinha no seu canto, não se mova que a cobra vai
simbora". mas ela tava assustada e tropeçô cainu inda mais perto e a jararaca
armô o bote. Ficamu empedradu de medo...Nisso caiu um negócio do céu bem sovre
a cabeça da cobra...vimu que era um gavião ferido. A cobra deu-lhe uma picada
mas o danado ainda teve tempo de matar a jararaca e daí ele morreu tamém junto
dela. O seu tiro acertô o gavião..tiro com a arma que nóis dispensô. Agora me
diga, não é um milagre?
- Certamente seu Chico - falou o Ciro - mas e a Mariazinha.
Dessa vez foi a mulher quem respondeu apontando prá uma
casinha bem no alto do morro.
- Tá lá com a vó pra mor de cortá o susto..sabe a simpatia
de cortá o susto com a faca? ( fazendo sinal de cortar com as mãos). São treis
dia de corte e treis de toma água com carvão. É como tirá com as própria mão.
- É seu Chico, não sei nem o que lhe dizer...apenas obrigado
por nos deixar usar das ilhas prá acampar, mas fique com a arma, guarde-a de
lembrança pra não se esquecer desse pequeno milagre.
- Grande, seu moço , grande.
- Até outro dia então. - cumprimentamos o velho que nos
acompanhou até a porteira e ao nos retirarmos encontramos um outro velhinho que
se aproximava que foi logo nos dizendo:
- Sei da sua história seu moço, mas no futuro quando oceis
narrá um amigo não vai crerditá, viu menino?
Olhei pro velhinho e perguntei:
- Não irão acreditar que o gavião caiu sobre a cobra?
E o velhinho respondeu:
- "Não menino, crerditá nisso ele vai, mais não vai
crerditá que saiu um tiro do revorve moiadu."
Então Adilson Jose Cunha, a profecia se cumpriu e não posso
fazer nada. Neri
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