sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Enfim , um causo bem mentiroso

Neri Pereira da Silva
Então, amigo Adilson , na tentativa de provar que o tiro saiu do revólver, aqui vai um conto mentiroso para provar o quanto é verdade.
Desarmamos o acampamento lá pelas onze horas. O Ciro mais eu, ficamos encarregados de passar na sede do Sitio Aliança em Cerquilho e deixar a arma com os proprietários, se é que a arma era deles, mas enfim...
Quando lá chegamos e fomos atendidos na velha porteira de jacarandá pelo Sr. Chico, entramos terreiro adentro sendo ovacionados com honra por todos os cães,
- Sr.Chico, temos uma coisa pro senhor. Não sabemos se é o proprietário mas nós não podemos levar isso conosco de volta pro seminário.
- Pois não seu moço, mostra logo esse trem a mor de que tô morreno de curioso. - respondeu o velho já fazendo sinal prá mulher aproximar-se.
O Ciro, retirou um pacote envolvido com sua camiseta e estendeu em direção ao sitiante. O velho sentiu o peso e olhou assustado prá mulher:
- " Eta sô, só me fartava essa por hoje..". - suas mãos tremiam e percebia-se apreensão nos traços de sua face já tão transfigurada pelas labutas do sertão - sua mulher também se punha do mesmo jeito , assustada. Ao verem o revolver, ampararam-se um no outro e se sentaram sobre uma pedrona no terreiro.
A mulher, olhou pro marido apenas balbuciando : " milagre, só pode ser milagre!". O marido, apenas apertou a arma contra o peito, olhou pro céu, respirou fundo e abraçado a mulher confirmou: " Milagre!'.
- Então seu Chico, isso é seu? Encontramos... - ia dizer o Ciro quando seu Chico o interrompeu:
- No rio, perto das ilhas, fui em quem joguei essa coisa que tornara-se objeto mardito prá nóis, mas agora to veno , oceis atiraram com ela?
- Dei um tiro, sim senhor, mas pro alto.
O casal se abraçou e seu Chico falou baixinho olhando pro céu:
- " Milagre, seu moço! Milagre dos grandes!"
- Milagre? - perguntou o Ciro me olhando de lado
- "Dos grandes, seu moço , dos grandes!" - respondeu a senhora e continuou pegando na mão do marido - " Fala véio, fala logo pro moço desde o inicio, falas das cobra, dos ovo, dos pintinhos..."
- Vosmecê não qué memo intrá pra mor de nóis proseiá mais de gosto? - indagou o velho já se erguendo e fazendo menção de entrar.
- Não, meu senhor, nós estamos até com pressa pois o pessoal nos está esperando lá na rodovia. - respondeu o Ciro lançando uma buscada de olhos em direção onde o pessoal ja ia ajeitando as lonas das barracas dentro da caminhonete.
- "Mais, vô contá rapidim intão...nóis sempre criô galinhas de onde nóis tira os ovo pra vendê lá na fêra. Inté criamu tamém porco , mas há dias que tamu sentinu farta de uns pintinhos e uma cobra jararaca vem acabanu com os ovo...raposa num é pra mor de que nóis tinha o Sansão.
- Sansão?
-É , fio de Deus, nosso cão caçadô...mais dias desses, transantonte de tardinha, avistei a danada da jararaca sainu de perto dos ninho...rapaiz,...oiei e vi que a Mariazinha tamém vinha verano a cerca na direção da cobra ...Gritei e ela se aquietô mais intrais dela veio o Sansão só no faro da dita cuja..os dois ia ser picado com certeza. Corri e peguei o revorve e dali de perto da pedra menor fiz a pontaria...o Sansão já tava em frente a jararaca, a mariazinha de meio anssim de revestréis...mirei bem na cabeça e atirei..
- Meus Deus! - Falou alto o Ciro já imaginando a cena do crime .
O velho continuou já meio tremendo de emoção tendo a mulher enxugando uma lágrima com seu avental 
- Fio do Pai do Céu , matei sem querer o Sansão...oh lástima...cachorro bão, de primera, iguar gente, caçadô e protetô...e anssim nóis arresorvemu jogá fora o revorve.. nóis tem a proteção do Sinhô.
- Mas ...e o milagre? - quis saber o Ciro - e a Mariazinha? Ela está bem...foi picada?
- Moço. a cobra se escafedeu pelo capinzá e a Mariazinha tá bem grazadeus...mais deixa eu continuá. - o velho pigarreou, limpou o suor do rosto com a manga da camisa e prosseguiu - To terminanu, sei que tá com pressa...ontem, nóis tava aqui debuiando uns mio e a Mariazinha reinanu pelo quintá...eu tava de oio nela e no lugar pronde a cobra tinha escapulido...e não é que a danada apareceu lá dotro lado onde tava a Mariazinha! Aí nóis desesperamu e gritamu pro Sinhô e pra Santa Catarina.Só falei anssim: " Mariazinha fique quietinha no seu canto, não se mova que a cobra vai simbora". mas ela tava assustada e tropeçô cainu inda mais perto e a jararaca armô o bote. Ficamu empedradu de medo...Nisso caiu um negócio do céu bem sovre a cabeça da cobra...vimu que era um gavião ferido. A cobra deu-lhe uma picada mas o danado ainda teve tempo de matar a jararaca e daí ele morreu tamém junto dela. O seu tiro acertô o gavião..tiro com a arma que nóis dispensô. Agora me diga, não é um milagre?
- Certamente seu Chico - falou o Ciro - mas e a Mariazinha.
Dessa vez foi a mulher quem respondeu apontando prá uma casinha bem no alto do morro.
- Tá lá com a vó pra mor de cortá o susto..sabe a simpatia de cortá o susto com a faca? ( fazendo sinal de cortar com as mãos). São treis dia de corte e treis de toma água com carvão. É como tirá com as própria mão.
- É seu Chico, não sei nem o que lhe dizer...apenas obrigado por nos deixar usar das ilhas prá acampar, mas fique com a arma, guarde-a de lembrança pra não se esquecer desse pequeno milagre.
- Grande, seu moço , grande.
- Até outro dia então. - cumprimentamos o velho que nos acompanhou até a porteira e ao nos retirarmos encontramos um outro velhinho que se aproximava que foi logo nos dizendo:
- Sei da sua história seu moço, mas no futuro quando oceis narrá um amigo não vai crerditá, viu menino?
Olhei pro velhinho e perguntei:
- Não irão acreditar que o gavião caiu sobre a cobra?
E o velhinho respondeu:
- "Não menino, crerditá nisso ele vai, mais não vai crerditá que saiu um tiro do revorve moiadu."

Então Adilson Jose Cunha, a profecia se cumpriu e não posso fazer nada. Neri

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