NERI PEREIRA DA SILVA |
- Já saiu a lista dos trabalhos? – perguntava um companheiro
na hora do banho sob chuveiro de água fria. Nessa época não havia chuveiro de
água quente para os seminaristas.
- Não, hoje é dia 30 e este mês tem 31 dias..sairá amanhã
logo de manhã.
Cada seminarista tinha um trabalho no cuidado da casa
durante o mês....a limpeza dos corredores ficava ao encargo de três
seminaristas por andar...O corredor era enorme e largo...durante a semana
apenas varríamos mas aos sábados passávamos ceras com pó de serra...sistema
prático....enchia uma lata de dezoito litros com pó de serra e cera
vermelha...despejávamos bem no início do corredor e em três seminaristas íamos
varrendo a cera ao longo do corredor...ficava tudo limpo e encerado ao mesmo
tempo. Haviam mais ou menos esses cargos: sineiro (normalmente era o monitor
quem batia o sino chamando pros compromissos) , biblioteca, quartos (duas
pessoas por mês), salas de aula, capela, jardins, banheiros, enfermaria,
quartinhos dos armários, sala de visitas, isso tudo na hora da limpeza. A tarde
havia os trabalhos fora do prédio e nesses também os responsáveis por cada
espaço: horta, campo de futebol, quadras de futebol de salão, basquete, quadras
de boccia, trilhas do bambuzal, caramanchão de flores, jardins...chuveiros e
vestiários .
Eu, caipira do mato, nunca tinha visto uma quadra de boccia.
Havia uma próxima ao campo de futebol ...num intervalo de aulas estava eu
passeando por ali quando um seminarista pegou uma bola e gritou: " Chuta
Neri ! " e atirou a bola que veio rolando em minha direção. Não pensei
duas vezes, me coloquei em posição de chute e chutei com toda força...Duas
semanas com o pé inchado sem poder calçar sapatos. Aprendi que aquela bola era
de madeira e não era para chutar.
A cada semana era designada uma classe para fazer o trabalho
de servir no refeitório , lavar as louças após a refeição, varrer e deixar a
mesa pronta com os talheres e pratos para a próxima refeição. Chamavam-se
" Equipe do Refeitório ", " Equipe da Cozinha "...Todos
obedeciam fielmente a lista de trabalhos, com rara exceção um ou outro pedia
prá mudar de cargo devido a fatores justos: alergia por exemplo. Lembro-me de
um seminarista que desmaiava quando via e sentia cheiro de cera vermelha...esse
nunca mais foi designado para a função de limpeza dos corredores.
Entre nós havia aqueles cargos que o padre pedia
voluntários: cabeleireiro, sacristia , enfermeiros . Quem desejasse aprender a
tocar algum instrumento musical teria que deixar o nome na lista com o monitor:
violão, flauta, guitarra, contrabaixo , sanfona , saxofone, piano...e
música...o Padre Libardi fazia testes com todos para a convocação pro coral: eu
era tenor segundo...e o Padre Roberto Escudeiro ( diretor de nossa classe ) era
o encarregado pelos espetáculos de teatro e pela fabricação das guitarras e
contrabaixos.
Houve uma época em que começou uma criação de coelhos da
índia pelos gramados do jardim, mas os coelhos se proliferaram tanto que um
seminarista ficou encarregado de castrá-los: José Inácio de Medeiros, que certo
dia foi me ensinar como se fazia a castração. Peguei um coelhinho e trouxe para
ele. Então me orientou :
-" Segure bem as patinhas e observe como faço pra
castrar!"..
Agarrei as patinhas e ele com o bisturi fez a incisão mas o
coelhinho gritou e se sacudiu todo escapulindo de minha mão. Saiu sangrando
pelo gramado até o reencontrarmos e terminar a operação.
Então, vida de seminário não era mole não...acordar sempre
no horário, tempo certo prá arrumar as camas e ir prá capela . Café da manhã e
educação física sobre o gramado do campo mesmo em tempo de geada. Exercícios
pesados, polichinelo, corrida, apoio ao sólo e outros sob a surpervisão de um
sargento ou cabo...marcha unida...valeu a pena.Neri
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