quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

AD MAJORA NATUS SUM

Pedaços, cacos, coisas que sejam, sobras de nossa existência passada, insistimos em sepultá-las, esquecê-las, não vale a pena trazê-las ao presente, mas elas ressurgem em nossas mentes, existe a necessidade de revelá-las, pelo menos, relembrá-las. Foi assim. Nos idos de 1954, estando eu no Santo Afonso, fui eleito, pela maioria, secretário da Congregação Mariana, tinha alguma liderança, fita com muitas estrelas, azul e com a medalha de Nossa Senhora. A turma a minha frente já estava completando a sétima série, Bianor, Higino, Gervásio, Daniel, João de Deus e outros, iam para o noviciado. Surgiu em minha mente recriar a nossa revista Studium, aquela que publicava artigos em línguas que não a portuguesa, latim, grego, inglês, francês e alemão. Muni-me de uma máquina de escrever antiga e outra que tinha os caracteres gregos, esta mais difícil de manusear. Montei minha sala de trabalho naquela que era da sexta série, minha turma, pedi aquiescência ao padre prefeito, tudo aprovado, passei a coletar artigos, muita colaboração, a revista se avolumava e meu trabalho exigia muito empenho. Eis que, em uma ordem de serviço, meu nome figurou entre os faxineiros que deveriam se dedicar à limpeza da sala de física, contígua àquela de meu trabalho. Ignorei esse mister, a revista já estava praticamente pronta, exigia minha dedicação a seu término. A porta se abre, aparece o Guareschi, seminarista duas turmas abaixo da minha :- "Dumas, você não vai participar da faxina da sala de física ? " ---- Não levantei os olhos a essa insignificante criatura, apenas balbuciei : -"AD MAIORA NATUS SUM" Continuei no meu trabalho. A porta se abre novamente, surge a figura de nosso padre diretor, Padre Ribolla : -"Dumas, o que você está fazendo ?" - "Estou na redação da revista "Studium" --- -"Está destituído, pegue a vassoura e a lata d'água e vai lavar a sala de física !" "Se não estiver satisfeito, arrume sua mala e vai se embora !' Chorei . O Rochinha foi nomeado redator de tudo aquilo que eu tinha preparado, seu nome figurou naquela edição, fui ignorado. O Bianor e outros da sétima série se propuseram a me defender, não aceitei, preferi me recolher em ato de obediência e humildade, renunciando àquilo que não tive a oportunidade de levar avante. Tempos depois, estando, em visita, no Seminário Santa Terezinha, Guareschi, humildemente me procurou pedindo perdão e querendo saber em que minha vocação foi prejudicada pelo seu ato. Dei-lhe a certeza que minha saída do seminário obedeceu ditames inerentes somente a minhas convicções de vida voltadas a um futuro sonhado e não conquistado, mas, agora, aprovado no Banco do Brasil, já estava viajando para Morrinhos, marco de meus sonhos futuros , minha realização profissional e início da formação de uma família de valor infinito, bênção de Deus. Alexandre Dumas 
O Rochinha seria o José Arruda Rocha ? O Guareschi chegou a ser ordenado padre ? Havia dois joões Rezende, lembra ? Eu e o João da Borda. O Padre Ribola, nos anos finais de sua vida, foi extremamente acolhedor, diretor dos cursilhos, a nível nacional, lembra ? Como eu fui zelador de turma, por uns meses, é bem provável que também eu tenha de pedir perdão a você , por alguma injustiça, pois a gente tinha nas veias o autoritarismo herdado dos alemães, né ? Lembro-me demais das revistas = Maristela, Redemptio, Studium. Quando o padre Cherubini me mandava resolver problemas na lousa, eu morria de vergonha, pois na matemática eu era um fracasso. Aos cinquenta anos de idade, já aposentado, eu resolvi me reconciliar com a matemática, e, por incrível que pareça, atualmente, quando quero me distrair, vou resolver equações de primeiro e segundo graus. Anos atrás, já preparei candidatos ao concurso B.B. , nas áreas = português (minha praia) e matemática (minha reconciliação) . Oi, Dumas, adoro suas deliciosas postagens. Saudoso abraço do João de Deus.João de Deus Rezende Costa 
Releia o texto, já retifiquei seu nome. Obrigado também por citar "Studium", agora está escrito corretamente. O José de Arruda Rocha era chamado de Rochinha, de baixa estatura, me acompanhou nos menores até a quinta série. O zelador mais rigoroso que tive foi o Gervásio, não me lembro de você ter ocupado esse cargo, sempre o tive como pessoa calma, amiga e incapaz de cometer injustiças. O Guareschi é padre, perseverante, atuante e trabalha no sul, não guardo magoa dele, teve razão em me denunciar, pois se assim não fosse, teria que assumir sozinho a tarefa de lavar aquela imensa sala de física, o errado era eu. Gosto de relembrar coisas do seminário, faço isso em função de uma saudade imensa de tempos que marcaram minha vida. Abraços ! Obrigado por perder seu tempo em ler e curtir minhas postagens ! Alexandre Dumas 
Caro Dumas, mais um texto que vou guardando no nosso blog DA TÁVOLA....Você me recorda o Rochinha e tenho uma lembrança pessoal... Quando saí do SRSA vim para São Paulo morar com minha mãe. Descobri que na Rua Penha de França, na Penha, havia um escritório de advocacia com três advogados egressos do Santo Afonso: Dr.Orlando de Lucca, Dr.Garcia e ...o Dr.Rochinha. Nesse escritório chegamos a tratar sobre a União dos Antigos Seminaristas egressos e estava, sob a presidência do Dr.Orlando e a secretaria deste que escreve: a UNITAS, que pela dificuldade de comunicação na época não seguiu... mas, com toda certeza, foi uma sementinha da futura UNESER. No caso do Rochinha, fomos uma vez, pelo seu convite, para a Rodovia Régis Bitencourt, buscar um dos clientes do escritório para acerto de contas! No caminho, paramos em um pequeno restaurante para almoço.Foi colocado em nossa mesa de todo tipo de comida ,arroz, feijão, ovos, saladas, farofa... Enchemos nossos pratos e nosso estômago! Qual não foi nossa surpresa quando a senhora que nos servia surge, depois de tudo, com dois enormes espetos de suculenta carne. O Dr.Rochinha olhou-me...olhei para ele...e então nosso colega ficou uma fera....e quis aprontar..Pediu uma sobremesa de pêssegos em calda... Comemos... Chamou a senhora e perguntou: -De onde eram os pêssegos... Como a senhora dissesse que eram da Cica, o Dr.Rochinha disse que iria processar o restaurante pois aqueles pêssegos, que tinham caroços, eram da Mogi, pêssegos da Cica não tinham caroços! Para evitar maior atrito, paguei a conta e convenci a sairmos...Mas, mesmo assim ele não queria que pagássemos... Eta,Dr.Rochinha!!! Aquele pequeno restaurante tornou-se o grande e famoso GAUCHÃO-RECANTO GAÚCHO! - Ierárdi

Amigo João De Deus Rezende Costa, veja onde se encontra o Pe.Pedro Guareschi -
https://pedrinhoguareschi.com.br/quem-sou/  - Ierárdi

Estive com Pedrinho Guareschi (Foguinho e eu) na Pedrinha em agosto de 2018, a convite da Congregação, representando a Uneser. Conversamos muito. Pedrinho assessora os "sem terra" no Rio Grande do Sul. Adquiri um livro dele, recém lançado "Pós Verdade". Ficamos amigos e eu encantado com ele. Thozzi
Eu entrei no Santo Afonso em 1955 e me lembro do Rochinha, do Rezende e do Bianor. Havia um que se chamava Pasin, não sei se era o Dumas. Havia o irmão do Rochinha que se chamava Abel de Arruda Rocha, eu me lembro dele porque ele era o primeiro de todas a relações e eu o segundo Abel e Abner.O Abel era um bom aluno e se julgava o garoto mais inteligente do mundo. O maior erro da educação do seminário, pode ser que esteja errado, mas foi em nos colocar numa posição muito alta, como se fôssemos os melhores do mundo e abaixo de nós não existia mais ninguém. Quem continuou acho que não sentiu isso, mas quem saiu, depois de sete ou mais anos reclusos, sem ver ninguém e sem saber de nada do mundo de fora, e encarar a vida foi muito difícil. Aí chegamos à conclusão que não éramos nada e tornamo-nos invisíveis, O difícil era se fazer ser visto, embora cheio de conhecimentos e cultura. Mas isso tudo foi superado e esqueci quase tudo desse tempo, lembro-me muito pouco das pessoas, pois vivíamos com muitos garotos, mas não convivíamos com eles. Com 50% deles nem sequer trocamos duas palavras, devido à separação de turma. Outros 20% eram só apenas colegas, amigos, amigos, na verdade nenhum. Descobri isso só depois que saí e os encontrei na vida, então percebemos que tínhamos alguma afinidade. Não tenho saudades nenhuma daquela vida, pois no primeiro passo que dei fora, coloquei na minha cabeça que não era mais seminarista e não mais ser padre e assim sozinho à procura do caminho das pedras.Tenho a impressão, Dumas, que a sua saída do seminário não ficou totalmente resolvida, como você disse muitos pedações seus ficaram espalhados por lá e reclamam a sua volta para juntá-los. Na verdade isso que você faz  escrevendo tudo, é um jeito muito bom de você resgatar tudo isso definitivamente.Abner
Abner, você assimilou bem o início de meu texto. Na verdade, lá só deixei saudades, eu tinha um ideal e nele me concentrei, desprezando por completo a possibilidade de outro caminho. Minha saída foi abrupta, fiquei como barco desgovernado enfrentando corredeiras perigosas, a mão divina me salvou, me fez encontrar um caminho, construí uma família, sou feliz. Os cacos ficaram pelo caminho, tento resgatá-los, não mais se encaixam, mas guardo-os separados tentando encontrar o elo que os colocará inteiros novamente, é um quebra-cabeças enorme. Prometo voltar mais vezes a procura de outros pedaços perdidos, vou colecioná-los, talvez, no futuro, formem um livro que se contraponha àquelas besteiras do Ateneu de Raul Pompéia.
Por falar em saída do SRSA e nova vida no mundo, o meu caso foi bem mais tranquilo....Durante 5 anos tive o mesmo confessor espiritual, Padre Helvécio de Azevedo Tóffuli, cujo quarto ficava no andar de cima entre os dormitórios dos maiores e dos médios. Regularmente fazíamos nossos colóquios e concluímos que meu real futuro seria construir uma família com descendentes.... Isso aconteceu... Foi tudo muito natural e despedi-me na compreensão do diretor Pe.Brandão. Mas, ainda que não tenha sido em saída abrupta, também fiquei por um tempo sem conhecer o meu rumo...Tive dificuldades... Imaginava que era diferente de todos....Tinha medo de passar vergonha até para pedir um café no boteco... Muito impasse para encontrar emprego pois, apesar da base cultural muito boa recebida no seminário, desconhecia o que era fatura, boleto, nota promissória e outros quejandos de escritórios... Mas, tal como você, também valeu-me a mão divina.... Encontrei um bom amigo gerente e comecei por baixo, fazendo correr folhas no mimeógrafo.... a perseverança e o dia a dia ajudaram-me e logo tive reconhecimentos positivos... e melhores empregos.... Ierárdi
Alexandre Dumas Pasin de Menezes Isso mesmo, certo você, meu caro, a sua história, juízos, angústias emoções fantásticas que tivemos naquele tempo, são muito parecidas com as minhas e talvez eu ainda não tenha resolvido completamente a minha saída. Ontem à noite comecei ler o seu texto e como era m pouco longo, deixei para outro dia e só o início me deu munição para meus sonhos da noite, que foi uma volta confusa no Santo Afonso, os trabalhos no morro, os jogos de futebol, o Natal as aulas do Padre Cherubini. Noite confusa e sem nenhum sentido lógico, como todos os sonhos são.Abraços!Abner
Em muitas noites de meus sonhos, volto àquele lugar, é uma mistura de banco e um pouco de seminário, o Ribolla é meu gerente, quero sair, mas não encontrarei abrigo e forma de criar meus filhos, acordo sobressaltado, me vejo, felizmente, aposentado, com bom salário e a vida feita. Coisas de meu passado que insistem em perseguir meus caminhos, trazem-me prazer de ter trilhado um ideal que se esvaiu em pedaços espalhados em uma via sacra rezada nos percalços da vida. Vamos deixar para futuras considerações essa nossa passagem no Santo Afonso. Outras coisas advirão, vamos curtir a vida, bebamos um bom vinho. O futuro a Deus pertence.Alexandre Dumas
E como venho dizendo "Essas recordações me matam" Abner

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