A 01/03/69, o seminarista Pedro dos Santos, cronista e apelidado
de “Pierre”, escreveu uma crônica estranha, misteriosa! Será que ele
estava pressentindo algum evento doloroso? Leia o que ele escreveu:
“Gritos de angústia perdidos na noite. Um vulto surge na pequena
claridade e some na penumbra. Mais uma vez, surge a noite com suas
sombras, seus mistérios, deixando pontos de interrogação em tudo,
principalmente neste fato. Isto ocorreu nesta madrugada. Muitos do
grupo A (maiores) fomos despertados por gritos desesperados.
Corremos à sacadinha e somente depois de alguns minutos notamos
um vulto passando pelo nosso campo de futebol em direção ao fundo,
onde desapareceu. A grande dúvida continua. Que terá acontecido?
Esperemos.” A sacadinha é aquela que dá para a tamareira. Dali se
enxerga o campo de futebol à direita.
A 23/05/69 ele anota: “Hoje, de madrugada, aconteceu um trágico
acidente com o nosso colega Brunio, da quarta série ginasial. Por ser
um caso um pouco delicado, não vou fazer a crônica de própria autoria.
Aguardarei o relatório que está sendo preparado pelo Pe. Negri, sobre
o caso. Logo esteja pronto, transmiti-lo-ei “ipsis verbis”.
A 04/08/69, o mesmo cronista escrevia: “Pe. Negri participa do
processo do Brunio. O promotor já enviou todo o processo para dois
médicos. Estamos procurando assim resolver tudo em silêncio,
evitando a propaganda. Já falei algumas vezes sobre processos,
relatórios e não expliquei todo o fato que envolve tais nomes, tal
como eu houvera prometido no dia do acidente, 23/05/69.
Transmitirei agora o relatório que se acha em minhas mãos, feito pelo
Pe. Negri. Ei-lo “ipsis verbis”:
“Luís Brunio Silveira fez o seu estágio vocacional de 12 a 19/12/
67. Depois de submetido a testes, exames, e tendo escrito a
autobiografia, foi admitido no SRSA para a cursar a terceira série
ginasial. Sua autobiografia foi considerada boa. Durante o ano de
1968 foi aluno bom nos estudos e também teve comportamento ótimo.
Apenas, notamos que sentia tal e qual dificuldade para se entrosar
com os colegas dos cursos mais adiantados ou de mais idade do que
ele. Em 1968, revelou uma crise que é rara entre os jovens. Começou
a ficar escandalizado com a vida “segura” dele, dos colegas e dos
padres, em contraste com a vida dos pobres que ele visitava no
apostolado legionário. Este problema parece que estava sendo
superado. Ao mesmo tempo a equipe passou a notar que a amizade
dele era preferentemente, para alguns de 12 a 15 anos, da quarta série
ginasial. De outro lado, na semana da Páscoa, durante a estadia de 5
dias na Pedrinha, teve uma atitude mais esquisita para um rapaz de
23 anos: Após a meia noite, levantou-se sem acordar ninguém,
escreveu um bilhete num papelão, dizendo que lhe apareceram dois
seres espaciais e lhe ordenaram que os seguisse. Veio então para
Aparecida e chegou de madrugada, sem que ninguém percebesse.
Tomou banho e foi para a Escola de Especialistas da Aeronáutica
para visitar um primo que lá morava. Só se apresentou no seminário
às 15 horas. Avisei o Pe. Alberto Pasquoto, Vice-Diretor, que
conversasse com ele sobre essa atitude. Desculpou-se dizendo que
fora uma brincadeira, uma “aventura”. Os outros seminaristas,
chefiados pelo Pe. Ronoaldo Pelaquim, também vieram para
Aparecida no mesmo dia. Alguns saíram da Pedrinha também de
madrugada. Mas não perceberam a saída do colega Brunio, pois
levantaram-se bem mais tarde. Este ano de 1969, o seminarista José
Sebastião Miranda, da quarta série ginasial, começou a perceber e ter
certeza que a amizade do Brunio para com ele era muito exclusivista.
Aconselhado pelo vice-diretor, passou a distanciar-se dele, de um
modo comedido. O moço, em vez de compreender essa atitude,
interpretou-a de modo muito mau e passou a ter ódio do colega
Miranda. No dia 18 de maio, eu chamei o Brunio ao meu quarto.
Conversei bastante com ele. Expliquei-lhe em que consistia a
verdadeira amizade. Ele falou pouco. A maior parte do tempo ele me
ouviu com a atitude de quem concorda e acha muito bom. Chamei
também o Miranda e dei explicações na presença de ambos. Depois
de sair do meu quarto, a um colega, o Brunio disse que a entrevista
fora muito boa e proveitosa. A outro, falou que de sua parte, tinha
sido hipocrisia. Nos dias 20 e 21 notei que ele não conversava mais
com o Miranda. No jogo de pingue-pongue, quando o Miranda pegava
a raqueta, ele se retirava. Nesses dias já ficava acertado com o Pe.
Alberto que ele nas férias de julho ficaria em casa, pois nos
convencêramos de que havia alguma anormalidade no temperamento
dele. No dia 24 de maio, ali pela uma e 30 hs acordei com o som do
chamado insistente do telefone interno. Corri ao aparelho mas não
escutava voz alguma. Desci então ao quarto do porteiro, noviço Frater
Francisco Martinez. Ele também estava sobressaltado. Saímos os dois,
subimos a escada para o lado da capela. Apenas subíramos,
encontramos o Pe. Alberto e o seminarista Miguel de Souza Reis que,
sem alarmes, me contara o seguinte: O Pe. Alberto estava dormindo.
De repente escutou um estampido. Saiu do quarto. Encontrou o José
Sebastião Miranda no corredor com ferimento no ouvido. Levou-o
imediatamente a uma cama na entrada do dormitório, procurando,
antes de qualquer atitude, cuidar do ferido. É claro que houve grande
pânico. Tentaram acender a luz, mas não conseguiram. Estava
desligada a chave geral. Devagarinho percebera-se com clareza que o
autor do tiro fora o Luis Brunio Silveira, o qual, ao fugir, apagara as
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luzes e desligara as chaves da força. Imediatamente levamos o Miranda
para o Hospital Frei Galvão em Guaratinguetá. Foi examinado logo
de manhã pelo Dr. Guilherme. Foram tiradas diversas radiografias e
foi constatado um corpo estranho. Tomadas as devidas cautelas, foi
operado para extração da bala. A esta altura, já sabíamos que era uma
bala, pois o Brunio já se apresentara à polícia local de Aparecida. Ali
pelas 8 hs. chegou ao seminário o delegado Dr. Pantaleão que me
contou o depoimento do criminoso: Ele comprara uma garrucha com
antecedência de uns dois dias. Adquirira uma dúzia de balas.
Experimentara a arma uma vez. A cápsula deflagrada fora encontrada
em seu armário, no dormitório. Atirou na distância de dois metros
(conforme ele disse) diretamente para o ouvido do garoto que dormia
placidamente. Foi um verdadeiro milagre. A bala caminhou pouco e
se alojou no osso. Visível proteção de Nossa Senhora Aparecida!
Atirou também para os pés de outro colega: José Leonélio de Souza.
Mas a arma falhou. Encontramos a bala picotada nas escadarias do
seminário. Depois o infeliz desceu as escadarias do seminário às
pressas. Saiu para o lado do galpão e se refugiou no Morro do Cruzeiro.
Mais tarde foi ao Posto Nossa Senhora Aparecida com a intenção de
partir para São Paulo, mas arrependeu-se. Esperou o dia amanhecer
e, incontinente, apresentou-se na delegacia, muito arrependido e
disposto a pagar a pena que merecia.
Deixou uma carta aberta, na qual diz que chegou a este ato extremo,
porque dois colegas o injuriaram com palavras ruins e porque a
diretoria não tomava atitude firme. Ora, como vimos no relato, isto
não é verdade, pois os diretores estavam acompanhando o caso e
fazendo tudo o que era possível. Cartas posteriores do mesmo Brunil,
que constam do processo, desmentem estas declarações escritas numa
hora de alucinação.
Na delegacia, no dia 24/05/69, Dr. Pantaleão ouviu os
depoimentos de Luiz Brunil da Silveira. Em seguida, julgando que
nada faltava ao processo, achou melhor que ele partisse para Belo
Horizonte, residência dele e aguardasse lá uma nova chamada.
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Sendo que o Pe. Santiago e o Pe. Alberto já iam mesmo para Alfenas
para buscar os pais do Miranda e conversar com ele, aproveitaram a
ocasião para levar o rapaz até Pouso Alegre com todos os seus
pertences. Dali ele foi para Belo Horizonte. Depois disso, como já
referi, ele escreveu várias cartas. Nelas sobressaiam umas idéias fixas:
1ª) Demônio; 2ª) Maldade própria; 3ª) vontade de ser padre a todo
custo e contra todos; 4ª) sentimento de culpa e vontade de pagar, de
expiar.
No dia 17/06/69 o processo foi encaminhado para o Forum. O
Dr. Luiz Fabiano Correia, ex-aluno do SRSA, e o promotor Dr. Badaró
estudaram os autos para ver qual o tipo de processo que mais caberia
no caso.
Em todo este triste e calamitoso episódio, tivemos sumo cuidado
para evitar a imprensa.
O Miranda, até o momento presente, está passando bem. Estuda,
reza, pratica esportes, dorme, alimenta-se bem. Está ainda com um
pequeno defeito facial. Em breve fará outro exame em Guaratinguetá.
Veremos se será preciso levá-lo até São Paulo para tentar remover
também este obstáculo.
Depois que tudo passou, vejo com bastante clareza que nisso andou
a mão de Deus poderosa, enviando-nos o sofrimento muito de acordo
com as forças de todos, e ao mesmo tempo, dando oportunidade para
ótima reflexão que sem dúvida ajudou muito no caminho para a
perfeição.” (Até aqui o Pe. Negri.)
O Cronista Pedro dos Santos (Pierre) escreve concluindo: “Aqui
termina o essencial de todo este drama ocorrido em nosso seminário.
Aí está o resumo do impacto causado neste ambiente. Um preventivo
para os educadores, uma precaução para nós, um exemplo para sermos
melhores”.
De 1965 a 1970 ajudaram muito na promoção da música, do teatro,
do cinema e de outras comunicações em geral os Padres Luiz Ítalo Zômpero, Lauro Masserani, Carlos da Silva, Ronoaldo Pelaquim,
Víctor Hugo Silveira Lapenta, Pe. Marcos Mooser e o Fr. Romeu
Henkes.
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